quinta-feira, 2 de julho de 2009

Extra - Prefácio/Prólogo

"Eu tentei não me envolver, mas foi em vão. E foi assim, eu me apaixonei sem me importar se era ou não recíproco. Por vezes pensei que era só atração, por outras parecia só diversão, mas da minha parte eu tinha certeza: era mais que paixão. Começou como um sonho, tudo era perfeito até que me dei conta de que foi só ilusão. Mas a essa altura já era tarde, eu não controlava mais meus sentimentos. Sabia que ia sofrer, mas já não podia mais esquecer. Os momentos que passamos juntos, tudo o que foi dito, cada sorriso, cada gesto, estava tudo gravado em minha mente. Hoje eu sei que jamais vou esquecer. Não me arrependo de nada que eu tenha dito ou feito, afinal, a única culpada nessa história sou eu, por ter amado tanto alguém que não podia me oferecer o mesmo, ou pelo menos uma fração do que eu esperava. Cada lágrima derramada não foi o bastante pra me fazer esquecer. Cada "não" que ouvi não foi suficiente para o meu coração entender. Nada do que eu faça vai mudar o amor que eu tenho guardado, nem mesmo as atitudes que tanto me machucam. É impossível esquecer a pessoa que mais me fez feliz pelo simples fato de existir, mesmo sabendo que essa mesma pessoa foi a que mais me fez chorar pelo simples fato de não me amar."



Por: Marina Becker

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Capítulo Oito - Cicatriz

Na maioria do tempo em que estavam relativamente juntos, Lucas e Marina pouco se falavam. Às vezes isso era bom, às vezes não. Mas também havia as vezes em que Lucas tentava se aproximar dela, mas ela tinha muito medo de voltar a se envolver, porque coincidentemente isso sempre acontecia quando ela estava conseguindo não pensar tanto nele. Ela sabia que, se caso retribuísse de imediato às investidas de Lucas, certamente o dia seguinte não seria um bom dia, que ele não daria a mínima atenção a ela, que só seria mais um dia triste. Talvez ela só estivesse sofrendo por antecedência, mas ele estava sempre tão perto e tão longe, e experiências passadas deixavam bem claro como ele agiria.

Lucas estava muito desleixado com os estudos nos últimos dias, sempre faltando às aulas, e quando comparecia ao colégio, não entrava em nenhuma aula, andava esquisito. Marina não gostava de vê-lo assim, ela se preocupava com ele, sabia que agindo assim poderia perder o ano, o que não era nada bom pra, já que era repetente, mas ele nunca levava a sério as preocupações dela, quando, ocasionalmente ela falava algo sobre isso.

Certa vez, durante um intervalo, Marina e Patrícia estavam andando juntas pelo pátio do colégio, como de costume. Lucas estava com alguns amigos na quadra, só havia comparecido à primeira aula daquele dia, e não pretendia entrar nas duas últimas, que eram ambas de Português. O sinal havia tocado, e os alunos tinham um tempo de cinco minutos de tolerância para entrar nas salas. Estava um grande tumulto de alunos nos corredores, e Marina e Patrícia estavam perto da entrada do prédio A, que ficava no extremo inverso do prédio onde era a sala delas, que ficava no prédio D, logo teriam que passar por todos os alunos, seguindo em uma quase ‘contramão’. Patrícia, para se apressar, segurou Marina pelo braço e foi na frente, passando por entre os alunos, e puxando Marina consigo. De repente, Marina chocou-se com um garoto que passava no mesmo momento em que Patrícia a puxou, o que a fez se desequilibrar e cair ao chão, machucando as mãos.

Patrícia ajudou-a a se levantar e foram até a cozinha do colégio, onde Marina lavou as mãos enquanto Patrícia pedia para a senhora que cuidava da cozinha uma pedra de gelo. Já havia se passado dez minutos desde que o sinal batera logo elas não poderiam entrar na sala. Elas saíram da cozinha, caminhando em direção à quadra do colégio, que era o único lugar onde elas poderiam ficar, já que não haviam avisado nem a professora nem a nenhuma pedagoga o motivo pelo qual não haviam entrado na sala. Marina segurava o gelo junto ao corte que havia feito em sua mão direita, próximo ao polegar, não adiantava muito, mas pelo menos amenizava a dor.

Entraram distraidamente na quadra, onde várias turmas estavam tendo educação física. Passaram pela primeira quadra, e estavam indo sentar-se à grama que dividia as duas quadras que ali ficavam. Marina não estava muito contente com a idéia de estar fora da sala durante uma aula, com todo o seu material dentro da sala, e se deu conta que estria perdendo duas aulas, considerando que eram as duas da mesma disciplina, e certamente não as deixariam entrar. Essa sua preocupação se amenizou, assim que chegaram à grama, e viram, no canto esquerdo da quadra, sentado em um banco improvisado, com mais um colega de sua turma, Lucas, que como Nina já imaginava, não havia entrado na sala. Ela e Patrícia foram lá com eles, Lucas e Eduardo. Lucas estranhou vê-las fora de sala e perguntou:

- Vocês aqui? A professora não veio?

- Não, ela ta lá na sala, é que a gente não entrou. – Patrícia respondeu.

- Por quê?

- É que, sabe, eu derrubei a Marina! – Patrícia disse rindo, e apontando para Marina, que ainda segurava a pedra de gelo sobre o corte.

- Nossa! Como você conseguiu isso? – Lucas perguntou, divertido com a cena.

- Não é muito difícil, ela é uma pessoa bem equilibrada, sabe? – eles riram. – Brincadeira, a gente tava indo pra sala, eu puxei o braço dela e ela caiu e cortou a mão. Daí a gente foi lá lavar a mão dela e pegar esse gelo, e não deu mais tempo de entrar na aula.

- Que feio, ficando fora da sala! – Lucas zombou.

- Olha só quem fala! – Marina retrucou.

- É, faz parte. – Lucas tentou se defender.

- A gente pode ficar aqui com você, Lucas? – Patrícia perguntou, sorrindo maliciosamente para Marina.

- Meu Deus, o Lucas tem mel! – Eduardo disse, olhando para as meninas e, esfregando a mão no braço de Lucas, continuou – Me dá um pouco desse mel, cara!

- Sai cara! – Lucas se afastou, brincando.

- Ai gente, ela machucou a mão. Vem aqui, senta aqui do meu lado que eu cuido da sua mão pra você! – disse Eduardo, batendo a mão no espaço vazio ao seu lado, convidando Marina. Ela fez uma cara de medo e deu um passo pra trás, brincando. Lucas se levantou.

- Não é assim que se chega numa menina, Eduardo, é assim ó. – Lucas foi andando até Marina, a cada passo que ele dava em direção a ela, ela dava um passo para trás, até que alcançou a grama, andando de costas, e não podia mais sequer dar um passo, pois havia um grande degrau. Foi onde Lucas continuou em direção a ela, e aproximou bem os seus rostos. Marina ficou sem reação, um pouco assustada, um pouco admirada, mas olhando em seus olhos, involuntariamente foi para trás e Lucas segurou em seu braço para que não caísse, o que os aproximou um pouco mais. Ele a puxou pra perto e a soltou, voltando a se sentar ao lado de seu amigo.

- Viu como é que faz? – perguntou ele a Eduardo.

- Tenho muito que aprender com você ainda! – zombou ele.

“Mais uma dessa e eu tenho um infarto!”, pensou Marina. O corte na mão dela deixou uma cicatriz, que não é só a lembrança de mais uma queda, mas também é a lembrança de uma situação um tanto quanto divertida que ela viveu com Lucas.

A professora Ge, de Português, não deixou passar em branco a ausência de Lucas e Eduardo, bem como a de Marina e Patrícia, o que era uma novidade, já que elas nunca haviam ficado fora de sala, e comunicou à inspetora, pedindo que os achasse e levasse à coordenação. Joana, a inspetora, logo apareceu na quadra chamando por eles, e os levou à coordenação, como a professora havia pedido. A pedagoga, Luisa, era bem compreensiva, e as meninas lhe explicaram o porquê de não estarem na sala, e mesmo questionando o fato de Patrícia não ser nenhuma médica e Marina não estar mutilada, aconselhou que entrassem na sala assim que tocasse o sinal para o início da última aula, caso a professora não deixasse, ela conversaria pessoalmente com ela. Já com Lucas e Eduardo foi diferente, pelo fato de eles estarem sempre faltando às aulas, e pediu que eles a esperassem, enquanto ela levava as meninas à sua sala, pois teriam uma séria conversa. Marina ficou preocupada com Lucas ao ouvir isso.

Já não era a primeira vez que Lucas acabava na sala da coordenação, e dessa vez ele foi avisado de que se continuasse assim, teriam de tomar medidas drásticas como além de chamar-lhe os pais, uma possível mudança de turno. Portanto teria que “andar na linha”. Marina ficou realmente preocupada com isso, pois se caso ele mudasse de horário, ela praticamente não o veria mais, e ela não sabia o que seria dela sem vê-lo quase todos os dias.

Marina e Patrícia entraram na sala e se explicaram com a professora, que entendeu perfeitamente, e pediu-lhes que isso não voltasse a se repetir, e que acompanhassem a aula em silêncio. E foi isso que elas fizeram. Lucas não entrou na última aula, nem Eduardo. Ao final da aula, Marina estava ansiosa para falar com Lucas, mas não o viu.

Quando se gosta de alguém, se quer o melhor pra esse alguém, e era assim que Nina se sentia em relação a Lucas. Ela se preocupava muito com ele, e não gostava nem de pensar na idéia de não vê-lo no colégio.

Naquela mesma semana, Salete, tia dela, pediu que ela cuidasse de seus dois filhos menores, Aline, de três anos e Alexandre de um ano, enquanto ela estivesse fora, já que Amanda, sua outra filha estudava na parte da tarde e não poderia cuidar deles. Marina, que não fazia nada mesmo no período da tarde, aceitou. Além do mais, lá era bem perto da casa de Lucas.

Então, Marina começou a cuidar das crianças todos os dias, não era por muito tempo, apenas três horas por dia, das 14h às 17h, quando ela saia para buscar sua irmã, Renata, na creche que também era ali por perto. Nina sai do colégio, almoçava, fazia suas lições, dava uma arrumada na casa e, às 13h50 saia de casa. O caminho era curto, e ela resolveu que sempre iria pelo caminho da avenida, que era por onde ela passaria na frente da casa de Lucas. No primeiro dia em que ela foi cuidar das crianças, ela não encontrou Lucas sentado na pequena mesa branca que ficava do lado de fora da lanchonete, como ela havia imaginado. Isso a decepcionou um pouco, pois ela queria encontrá-lo, queria falar com ele, ele estava muito sumido no colégio, faltando muito e, quando ia, saía mais cedo. Talvez se ela o encontrasse, poderia saber o que de fato estava acontecendo. Mas não foi daquela vez.

Cuidar de Aline e Alexandre não foi nada difícil, uma vez que quando Nina chegava a casa, Alexandre estava dormindo – e permanecia assim até próximo ao horário em que a mãe dele chegaria – e Andressa ficava assistindo a DVDs – o que fez Marina decorar os filmes: “Por água abaixo”, “Madagascar”, “Alladdin”, “Mulan”, entre várias outras histórias infantis. O tempo passava rápido, e logo era a hora de buscar Renata e ir para casa. Às vezes, Salete demorava um pouco mais e, quando buscava Amanda na escola, buscava também Renata na creche. Em ocasiões como essa, Marina ficava até mais tarde na casa de Salete, pois Amanda gostava muito dela e não a deixava ir embora até que estivesse realmente muito tarde para que ela ficasse acordada.

Assim que descobriu que Marina e Lucas se conheciam, Amanda começou a contar a todos que eles eram namorados, que Nina era apaixonada por ele, que eles iam se casar, e várias outras coisas do gênero. Não que ela não gostasse de ouvir isso e que não quisesse que fosse verdade, mas também ela não precisava anunciar. Amélia, mãe de Nina, começou a implicar com ela em relação a isso, acreditando em parte das coisas que Amanda dizia. Marina negava, afinal não era mesmo verdade, pelo menos não tudo.

Certa vez, depois de passar uma tarde quase inteira cuidando das duas crianças, Marina estava saindo da casa de sua tia para buscar sua irmã, e quando, automaticamente, olhou para a lanchonete, que ficava logo na esquina, viu que Lucas estava lá. Ela foi andando rápido para pegar Renata na creche o quanto antes e decidiu que iria para casa passando pela casa de Lucas. Era bem mais longe, mas talvez valesse a pena. Ele ainda estava lá, sentado em uma cadeira branca de plástico encostada na parede da lanchonete, com uma calça jeans, camiseta azul-claro, all-star azul, um boné preto e um óculos escuro, observando a rua – não havia movimento na lanchonete. Os raios solares de um quase pôr-do-sol faziam um jogo de luz e sombras em sua face, que era simplesmente fascinante. Em um movimento rápido, como se soubesse quem estava se aproximando, Lucas virou o rosto na direção de Marina, a viu e sorriu aquele sorriso que ela mais gostava. Ele se levantou e esperou por ela, que estava a poucos metros. Ela chegou e o cumprimentou com um beijo no rosto.

- Oi Lucas!

- Oi Nina! Oi menininha que eu não lembro o nome! – ele riu.

- Renata. Diz oi pro Lucas, Rê.

- Oi. – disse Renata, tímida.

- E aí, tudo bem? – perguntou Marina.

- Aham. E você?

- Também, também... Só na vida boa aqui?

- Pois é, só aqui admirando a paisagem. – ele sorriu novamente, deslumbrando-a.

- Não vai mais pro colégio, não?

- Vou sim. É que eu tinha que resolver algumas coisas, mas acho que segunda-feira eu vou.

- Sei. Sério, faz falta você lá. – Marina ficou vermelha.

- Nina, eu quero sorvete. – Renata interrompeu. “Salva pelo gongo”, Marina pensou.

- Renata, não! Hoje não dá.

- Sorvete de quê que você quer? – perguntou Lucas à Renata.

- De abacaxi. – respondeu ela.

- Lucas, deixa. Depois ela esquece, eu to sem dinheiro aqui.

- Depois a gente vê isso, agora deixa ela tomar o sorvete.

Ele caminhou até o interior da lanchonete, e pegou um sorvete de abacaxi para Renata.

- Ninguém merece você, hein Renata?!?! – Nina sussurou.

- Mas eu queria sorvete! – ela disse.

- Pronto. Toma o seu sorvete. – Lucas entregou o sorvete nas mãos de Renata.

- Como que se fala, mocinha? – perguntou Nina à ela.

- Obrigada. – disse Renata.

- De nada! – Lucas respondeu.

- Lucas, é sério, não precisava.

- Depois a gente acerta. E eu vou cobrar. – ele parecia malicioso.

- Vai amanhã pro colégio? – Nina perguntou.

- Amanhã é sexta-feira, já que faltei praticamente a semana inteira, acho que não vou amanhã não.

- Você quem sabe. Então, até depois. – ela se despediu.

- Até amanhã. E tchau Renata!

- Amanhã?

- Tchau. – Renata respondeu, tomando seu sorvete.

- É. Você não vai na casa da sua tia amanhã?

- Sim, vou. Então, ok, até amanhã. – e foi dar um beijo em seu rosto novamente. Ele, propositalmente ou não, virou um pouco o rosto, fazendo-a quase beijar-lhe os lábios. Ela apenas virou as costas e saiu. Uns quatro passos à frente, ela se virou para olhá-lo, ele também a estava olhando e sorrindo. E como se não fosse muita novidade, tudo o que Marina podia pensar depois disso, era apenas ele: Lucas. Como ele fazia isso? Hipnotizá-la de tal maneira?

Capítulo Sete – Descrevendo o indescritível

Apesar de todas as atitudes inesperadas de Lucas, Marina ainda se sentia inexplicavelmente apaixonada por ele, e também se sentia culpada pela forma que agiu com ele. Ela estava confusa, uma enxurrada de sentimentos, antes desconhecidos, havia inundado o seu coração, e Lucas era uma incógnita pra ela. Ela não sabia como agir, não sabia se havia feito a coisa certa ao ignorá-lo. E se ele jamais voltasse a procurá-la? Ela nunca se perdoaria por ter o deixado ir assim tão facilmente.

Marina estava sozinha em casa, e não conseguia nem de longe entender um pouquinho da personalidade de Lucas. Às vezes ele era gentil, às vezes grosseiro, agia de um jeito num dia e, no outro parecia nem ser o mesmo. Ele parecia ter várias personalidades, mas Marina nunca soube ao certo o que se passava com Lucas, sua única certeza era que o amava e que precisava estar perto dele, ainda que não fosse como ela realmente queria. Ela tinha que estar sempre com ele, sempre vendo ele, sempre perto dele, ainda que nem sempre fosse isso o que ele queria, ainda que na maioria das vezes ela só ficasse pior na presença dele, por ele parecer não compartilhar do mesmo sentimento. Mas pior que isso era quando ele dava certas esperanças a ela e logo em seguida as desfazia. Era como se ele gostasse de vê-la sofrer, era como se ele ficasse feliz cada vez que a via triste.

Como no dia em que Marina estava a caminho da creche. Estava um dia nublado, frio, não muito convidativo. Marina havia tomado um banho e saído de casa com o cabelo molhado, ela usava um jeans e uma jaqueta quente sobre uma camiseta azul-clara. No caminho, Lucas vinha no sentido contrário do outro lado da rua. Ela tentou não dar atenção, pois ele não havia falado com ela em nenhum momento daquela semana. Quando ele a notou do outro lado da rua, atravessou e foi em sua direção. Marina ficou meio apreensiva em falar com ele, mas ela não podia simplesmente ignorá-lo e passar direto – assim como ele costumava fazer – ela não conseguiria fazer isso. Ele parou em frente a ela, e lhe cumprimentou com um beijo no rosto.

- Oi Marina. – ele sorriu o sorriso preferido dela.

- Oi. – ela quase não respirava. Era incrível a influencia que ele tinha sobre as reações dela.

- O que você está fazendo por aqui?

- Eu tava indo buscar minha irmã...

- Ah sim, é verdade, ela fica na creche.

- É. E você?

- Eu tava indo ali no mercado, eu moro aqui perto.

- Legal.

- Sabe ali, aquela lanchonete, que fica naquela esquininha ali pra baixo?

- Sei.

- Então, eu moro ali. Vai lá qualquer dia.

- Ah claro. Qualquer dia eu apareço por lá. Mas deixa eu ir, que daqui a pouco eu me atraso pra buscar a Renata. Até depois. – Ele estava a convidando pra ir a casa dele? “Quem é você e o que fez com o Lucas? Por favor, não o devolva!” Marina pensou, brincando.

- Ok. Tchau Nina.

Marina desceu a rua que levava à creche, tentando recobrar o ritmo da sua respiração e de seus batimentos cardíacos que haviam aumentado enquanto ela falava com Lucas. Por mais que ele às vezes a tratasse mal, ela não conseguia não se derreter cada vez que estava próxima dele, ainda mais quando ele estava mais comunicativo, apaixonante.

Renata já estava esperando Nina, e elas saíram rapidamente da creche, voltando para casa. A rua era uma subida, e ao chegarem à esquina, viravam à esquerda. Quando elas viraram a esquina, Marina viu Lucas no mesmo ponto onde eles haviam se encontrado um pouco antes, agora ele voltava do mercado carregando uma sacola. Marina respirou fundo e tentou controlar sua felicidade em vê-lo novamente. Lucas parou novamente e falou com ela.

- Essa que é sua irmãzinha?

- É.

- Oi menininha! – Lucas falava com Renata. – Como é mesmo o nome dela? – perguntou para Nina.

- Renata.

- Oi Renata, eu sou o Lucas.

- Oi. – Renata respondeu baixa e timidamente.

- Que lindinha que ela é!

- É, ela não tem nada haver comigo. – Marina e Renata ao se pareciam em nada.

- Ela é linda que nem a irmã dela. – Lucas disse e saiu andando a caminho de sua casa.

Marina mordeu os lábios e se virou para ver Lucas indo embora, ele olhava para trás e sorria. Como ele conseguia ser tão inexplicavelmente apelativo para Nina? Ela poderia estar o mais zangada que fosse com ele, que com apenas um sorriso, ou nesse caso algumas palavras, ele já a fazia esquecer do porquê de ela estar triste com ele.

Mas nem sempre era assim. Lucas talvez tivesse algum problema ou quem sabe algo que o impedisse de estar com Marina, ou talvez não quisesse mesmo estar com ela, apenas gostasse de saber que existia alguém que sempre estaria disponível pra ele. Pois era assim que Marina aparentava estar, sempre disponível pra ele. Não que ela não estivesse, mas isso a prejudicava passava uma imagem de uma menina fácil, o que ela não era, ou não queria ser. Ela era uma menina incondicionalmente apaixonada por Lucas, o que a fazia ter medo de perdê-lo com qualquer atitude negativa que tinha com ele. Ela tinha muito medo. Medo de não o ver mais, de não mais falar com ele, de não mais estar com ele, isso seria insuportável pra ela naquele momento.

No colégio, Lucas era sempre indiferente com Marina, e quando se encontravam, por acaso, fora dele, Lucas era incrivelmente atencioso e educado, e amável e apaixonante com ela. O que a fez pensar que ele pudesse ter vergonha de falar com ela perto dos seus amigos, já que todas as vezes que se viam fora do ambiente escolar eles estavam sozinhos. Cada indício de uma possível reciprocidade que ele dava a ela numa tarde em que se viam, morria logo pela manhã quando ele simplesmente parecia não conhecê-la. Nem mesmo as prováveis aulas de guitarra foram o suficiente para voltar a manter aquela antiga aproximação entre eles no colégio.

Lucas não mais tentou ficar com Marina depois do dia em que ela virou o rosto quando ele foi beijá-la. Ela se arrependeu de ter feito isso, mas consentiu que talvez não fosse pra haver nada mais do que uma amizade entre eles, já que ainda assim ela precisava da sua dose diária de Lucas em sua vida. E foi assim, tentando manter uma amizade com Lucas, que Marina conviveu com ele nos dias que se seguiram. Muitas vezes era difícil, pois ele não dava a mínima importância a ela, o que a fazia extremamente triste, chegava até mesmo a chorar tardes inteiras enquanto estava sozinha em casa, tentando entender o porquê de ele agir daquela maneira. Ela nunca perguntou nada e ele, e nunca descobriu tal motivo. Talvez fosse o fato de parecer intrometida ou algo do gênero, talvez fosse o medo da resposta.

Até aqui você pôde ver que tudo que acontecia com Marina e Lucas sempre acabava da mesma maneira: ela triste a apaixonada, ele vivendo normalmente. A partir de agora tenho que admitir uma coisa: vai continuar assim. E essa pode se tornar uma história cansativa e repetitiva, e eu até entenderia se você parasse de ler agora, eu poderia até ajudar a ficar mais fácil:

“E assim Marina continuou sua vida apaixonada por Lucas e ele nunca se importando. Até que um dia ele percebeu que ela era o grande amor da vida dele, se declarou para ela e eles viveram juntos e felizes para sempre. FIM.”

Pronto, acabou a história. Mas eu estaria mentindo, e eu não estou aqui pra mentir, estou aqui pra relatar todos os fatos da vida de uma menina que teve todo o sentido de sua vida mudado quando conheceu um garoto esquisito e completamente diferente de todos os que já tinha visto e convivido, e se apaixonou por ele. E assim tentar descobrir até que ponto algo lhe faz bem e quando começa a lhe fazer mal. Tudo o que for escrito daqui pra frente, por mais inútil que possa parecer, é necessário para se poderem entender as atitudes de Marina, seus medos, seus desejos, seus sonhos, suas loucuras. Já adianto que “histórias de amor” nem sempre têm finais tão felizes como nos contos de fadas, mas se você quer mesmo saber como são os finais da vida real de uma garota real e um garoto real, sugiro que continue a ler. Caso contrário, pare aqui mesmo e acredite no final feliz, eles existem! Será até menos constrangedor para mim, simples narradora, que lhe propus uma história interessante e posso decepcioná-lo, leitor.

Se chegou até aqui e continua lendo, presumo que vá ir adiante. Então continuemos essa narrativa e vamos acompanhar o que essa paixão de Marina nos reserva. Desculpe-me os meus devaneios. Onde eu estava mesmo? Ah sim. Os medos e frustrações de Marina.

O tempo ia passando, e Nina ainda se via apaixonada por Lucas, mas ele sequer percebia. As amigas dela às vezes perguntavam se ela ainda gostava dele, mas ela respondia que não, que já havia passado, que agora eram apenas amigos. Ela podia mentir pra qualquer pessoa, menos pra si mesma. Ser amiga dele talvez tenha sido a pior opção pra Marina, se ela ao menos se afastasse dele, quem sabe poderia ser melhor para ela, quem sabe ela pudesse realmente esquecê-lo. Ela no fundo sabia que não era ela quem ele queria, e gostava demais dele para ser tão egoísta ao ponto de passar por cima das vontades dele para satisfazer as suas – na verdade Nina chegava a ser um pouco altruísta – e, por mais que não fosse com ela, ela apenas queria que ele fosse feliz. Mas nem sempre ela era tão pacífica assim, e nem sempre ele era tão alheio a ela assim. Houve vezes em que ele a provocava e ela se afastava, e vice-versa.

Marina havia encontrado um jeito de estar mais próxima de Lucas. Depois que descobriu onde ele morava, ela também soube que sempre passava na frente da casa dele pra ir ao colégio, e desde então começou a sair em horários diferentes cada dia para ver se em algum dele sela tinha a sorte de passar por lá justamente quando ele também estava saindo para o colégio. Um dia essa tática deu certo. Marina estava passando na frente da casa de Lucas, e ele saiu no mesmo momento. Ele a viu e pediu que ela o esperasse, virou-se, trancou a porta e caminhou em direção ao pequeno portão que os separava. Enquanto isso, ela rapidamente olhou o relógio do celular e viu a que horas ele saia de casa: 7h:15m. Talvez não fosse esse o horário que ele saia de casa todos os dias, mas ela decidiu estar por ali todos os dias mais ou menos nesse horário. Ele a cumprimentou com beijo no rosto, e foram caminhando lado a lado para o colégio. Não conversaram muito, apenas o normal para quaisquer pessoas educadas que estudava na mesma turma: “Oi, tudo bem?” “Estudou para aquela prova...” “Nossa, foi tão engraçado ontem...”. Assim foram mais alguns dias em que Marina conseguia ir junto com Lucas para o colégio, nenhum diálogo muito importante, mas pra ela, estar com ele já era mais que importante.

Numa segunda-feira, logo após a Páscoa, Marina havia ganhado além de ovos de chocolate, uma caixa de bombons, que resolveu levar para o colégio e dividir com suas amigas. No caminho, ela e Lucas foram juntos para o colégio, e ela lhe perguntou sobre como havia sido sua páscoa, apenas para manter uma conversa.

Já no colégio, durante uma aula de Química, a professora teve que ir atender a alguns pais de alunos de outras classes que queriam falar com ela, e deixou a sala sob a responsabilidade da inspetora, que apenas observava as conversas na sala. Marina, Patrícia, Fernanda e Mily estavam comendo os chocolates que Marina tinha trazido, e Lucas estava sozinho no fundo da sala. Marina, para chamar a atenção dele, pegou um bombom Serenata de Amor, e como na propaganda que passava na televisão, ela caminhou até ele com o bombom nas mãos, e disse:

- Serenata? – ela sorriu, um pouco provocando, um pouco envergonhada, oferecendo o bombom a ele.

- Eu não posso comer muito chocolate, meu café da manhã foi uma caixa de Bis! – ele se explicou.

- Uh, você é quem sabe. – ela abriu o bombom e o mordeu, enquanto ele apenas observava. Ela voltou para o seu lugar comendo o chocolate.

Chegando de novo ao grupo de amigas, Fernanda logo perguntou:

- Marina Becker! O que foi isso?

- Aii Fer, nada demais. Ele tava olhando lá sozinho e eu fui oferecer um chocolate pra ele. Só isso. Ele não quis meu Serenata. – “e pelo jeito nem a minha serenata, caso eu fosse louca o bastante pra isso” ela completou mentalmente.

- Ele não parou de babar em você um minuto! Ahhh Marina.... – as meninas riram.

- Nossa nada haver, vocês são todas maliciosas! – Nina acusou.

- Claro, foi bem a gente mesmo que foi lá provocar o menino. – Mily provocou Marina.

- Já disse que não tem nada demais entre eu e ele, somos apenas amigos – “Infelizmente” – e ele nem ficou “babando” em mim como vocês disseram, e eu não fui lá provocar ele! – “Ou fui? Gostei disso...” ela pensou.

Marina se interessou pela idéia de provocá-lo, ela não tinha notado, mas as meninas lhe disseram que ele havia ficado babando nela, e isso era bom. Mas dessa vez, foi um ato inconsciente, e das outras vezes, será que ela teria o mesmo resultado? Será que ela teria coragem o suficiente para provocá-lo, agora intencionalmente? Ela ainda era uma menina muito tímida.

Capítulo Seis – Nada a não ser

Já era de manhã, mas ainda um pouco antes do horário que ela costumava acordar, ela permaneceu na cama, olhando as sombras que a fraca luz da aurora deixava em seu teto através da persiana. Marina pensava em como a vida dela havia mudado desde que conheceu Lucas, e em como havia mudado ainda mais depois da última quinta-feira. Todas as promessas que ela havia feito a si mesma em relação a se apaixonar já não tinham mais validade, mas ela ainda sentia medo. Medo de gostar de mais, medo de não ser correspondida, medo de fazer algo errado, medo de sofrer. Mas nenhum desses medos superava o que ela estava sentindo por Lucas. Ele era um garoto totalmente diferente de todos que ela já havia convivido, em todos os sentidos possíveis. Ela nunca sabia o que esperar dele, o que a fazia sempre querer estar perto dele e compartilhar de cada reação dele, por mais que isso, muitas vezes, a machucasse.

Não passou muito tempo, e Amélia, mãe de Marina entrou no quarto.

- Nina? Filha, hora de levantar. – Amélia chamou.

- Ta bom mãe, já vou.

Marina se levantou, e acendeu a luz do quarto. Andou até o guarda-roupa e abriu a gaveta onde ficava guardado o seu uniforme, o vestiu, e ligou a TV e o DVD. Colocou um cd, num volume baixo pelo fato de ainda ser muito cedo, e ficou ouvindo enquanto terminava de se arrumar. Ela ouvia “Um minuto para o fim do mundo”, de Cpm22, e depois algumas outras músicas da mesma banda. Nina terminou de se arrumar, e foi ver se tinha alguma lição pra fazer – por mais que ela fosse uma boa aluna, dificilmente tocava em seus materiais do colégio nos finas de semana. Sua mãe lhe chamou para que arrumasse Renata, pois já estava quase na hora de as duas saírem. Elas esperaram alguns minutos até dar 7h, e saíram.

Nina deixou Renata na creche, e no caminho para o colégio, Nina viu Lucas, indo alguns metros à frente. Ela sabia que mesmo andando rápido, não o alcançaria então ela continuou a andar em seu ritmo normal, e tentando adivinhar como ele estaria hoje: o Lucas que gosta dela ou Lucas que não gosta. Não demorou muito para que ela chegasse ao colégio, e logo encontrou Patrícia, que estava junto de algumas colegas. Nina sabia que Lucas já deveria ter chego, mas não o viu. Talvez ele estivesse em algum outro lugar do colégio, ela que não ia ficar procurando. O sinal tocou, e elas foram para a sala. Quando Nina entrou, viu que Lucas já estava lá, e não se deu ao trabalho de ir cumprimentá-lo, ela não sabia qual era o Lucas de hoje. Ele fez o mesmo. A aula começou, e passou rápido, assim como todas as outras aulas daquela manhã. No intervalo Nina e Patrícia fizeram o de sempre, ficaram andando pelo colégio, só que dessa vez, Lucas não estava em lugar nenhum. Marina até arriscou alguns olhares a sua procura, mas nada.

- Ta procurando o Lucas? – perguntou Patrícia.

- Talvez. – Nina respondeu, abaixando a cabeça.

- Vocês não conversaram mais?

- Não, ele nem fala mais comigo. A gente se viu ontem, mas foi só, não pude falar com ele, eu tava com a minha mãe... E, sei lá, ele é esquisito.

- Isso é, mas ele é muito legal. Você gosta dele, né?

- Preciso confirmar?

- É.... Não! Ta escrito na sua testa, em letras grandes e luminosas!

- Então por quê que ele ainda não viu isso? Não custa nada ele falar comigo, dar ao menos um oi. Antes ele falava normal comigo, a gente conversava, ficava junto... E agora nada. Eu não entendo.

- Calma Nina, ele é assim mesmo, doidinho da silva!

- E eu sou uma retardada! Olha só no que eu fui me meter. Tinha que ser eu mesmo....

- É, só você mesmo Nina.

A conversa com Patrícia não ajudou em muita coisa, e Nina estava cada vez mais aflita, com mais medo do que poderia virar esse tal amor que ela sentia, que com apenas um gesto já a fez relembrar as suas antigas recordações de como eram os seus “amores”.

Mais tarde, já em sua casa, Marina tentava não pensar em Lucas, uma tarefa quase impossível, enquanto colocava as coisas em ordem: arrumava o seu quarto, lavava a louça, ouvia música, e qualquer outra coisa do gênero. Depois de terminar os afazeres, ela foi tomar um banho, pra relaxar um pouco. Durante o banho, ela decidiu que não correria atrás de Lucas, e iria apenas observar como ele estaria essa semana, quem ele seria a cada dia. As mudanças de humor e as atitudes contraditórias dele estavam deixando-a louca, ela precisava tentar entender o que acontecia com ele, precisava tentar conhecer quem era o Lucas por quem ela se apaixonou.

Marina novamente demorou mais que o tempo necessário, e quando olhou no relógio se assustou, pois já havia passado do horário de buscar Renata na creche. Ela apressou em se arrumar, e andou rápido até a creche. Por incrível que pareça, enquanto ela caminhava, não pensava em Lucas, apesar de saber que ele passava por ali todos os dias e que poderia encontrá-lo a qualquer momento – o que não aconteceu. O resto do dia de Marina foi monótono como sempre, ela foi dormir cedo, determinada a cumprir o que havia dito mais cedo: que essa semana apenas observaria Lucas, e quanto antes ela se desiludisse, mais fácil seria afastar-se dele. Ou não.

Os dois dias que seguiram, fizeram Marina acreditar que existisse apenas um Lucas, e infelizmente, era o que não gostava dela. Ele agiu de forma indiferente com ela, não falava mais com Patrícia, e isolava-se do grupo com que costumava estar. Parecia estar evitando a tudo e a todos, parecia querer fugir do mundo. Marina se desencantou um pouco com as atitudes de Lucas, ela estava magoada, talvez ficar longe dele fizesse bem a ela. Mas ele estava sempre tão perto, e tão longe.

Na quinta-feira daquela semana, Nina estava indo para casa com Andressa, depois de mais uma manhã sem novidades no colégio, e elas estavam conversando sobre qualquer assunto aleatório – uma prova ou algum trabalho – quando Andressa lhe perguntou sobre Lucas:

- E o menino lá, o Lucas, não falou mais ele?

- Não.

- Por quê?

- Ah, aconteceram algumas coisas, ou melhor, não aconteceram.... – Marina interrompeu sua frase ao sentir alguém segurando a sua mão. Ela olhou por impulso para a própria mão e foi subindo o olhar até que encontrou o sorriso perfeito de Lucas. Ela se assustou, e rapidamente voltou a falar com Andressa:

- Depois eu te falo, não dá pra falar agora.

Andressa ainda não tinha notado a presença de Lucas ao lado de Marina, e não entendeu o porquê de ela não poder falar.

- Fala menina!

- Não dá! – Marina sussurrou.

- Mas...

Marina inclinou o rosto levemente para Lucas, que estava caminhando quieto ao seu lado, e Andressa o viu. Ela logo entendeu o motivo por que Marina não podia continuar aquela conversa, e disfarçou para deixá-los sozinhos.

- Marina! Acabei de lembrar que eu tenho que falar urgente com a Camille, e ela tá lá atrás, depois a gente conversa.

- Depois a gente se fala. – Nina concordou.

Agora era só ela e Lucas andando de mãos dadas pelo mesmo caminho que há exatamente uma semana caminharam, que resultou no capítulo seis dessa história. Só que dessa vez a situação era diferente. “O que será que deu nesse menino? A semana inteira me ignorando, e agora de mãos dadas comigo? Ele está pensando que é quem? Que pode chegar quando quer e fizer o que der na telha? Não mesmo! Comigo não.” pensou Marina enquanto tentava sutilmente soltar a sua mão da dele. Lucas assim que percebeu que ela estava tentando se afastar, a segurou mais forte, o que a deixou irritada, e começou a conversar com ela.

- Tudo bem Nina?

- Poderia estar melhor. – Ela respondeu séria, de um jeito quase grosseiro.

- Nossa! Alguma coisa haver comigo? – ele agia naturalmente, como se estivesse com ela o tempo todo, e isso cada vez a irritava mais.

- Imagine. – ela usou um tom um tanto quanto sarcástico ao pronunciar essa frase.

Alguém alguns metros atrás chamou por Lucas, provavelmente algum amigo dele, e ele parou e se virou para ver quem era. Nina aproveitou essa pausa e se soltou dele, e continuou andando um pouco mais rápido, sem esperá-lo. “Como ele tem coragem de vir falar comigo como se nada tivesse acontecido? E ainda andar de mãos dadas. Mãos dadas! Era só o que me faltava... E piro do que isso é saber que apesar de todas essas esquisitices, eu gosto dele. Não tenho jeito mesmo!” ela pensava enquanto se distanciava de Lucas. Ele, ao terminar de falar com seu amigo, e perceber que Nina não havia o esperado, olhou em volta, procurando-a. Ela estava alguns passos à frente, e ele apressou-se para alcançá-la. Ela não olhava para trás, e quando ele chegou bem perto dela, ele a puxou por umas cordinhas que havia na mochila dela, fazendo-a parar bruscamente. Ele conseguiu irritá-la ainda mais. Ela parou e virou-se para ele, fazendo cara feia. Ele soltou as cordinhas e segurou em seu braço, dizendo:

- Ei, você não vai me esperar?

Ela apenas lhe lançou um olhar de desaprovação, deixando ainda mais claro o quanto ele estava irritando-a. Ele apenas soltou o braço dela e continuou caminhado ao lado dela, mas dessa vez, sem segurar em sua mão. Ele tentou conversar com ela, mas ela não estava muito comunicativa, pelo menos não com ele. Ele tentou falar sobre as aulas do colégio, também sobre as possíveis aulas de guitarra que ele daria a ela, voltando a falar que estava sem tempo, que estava trabalhando e etc., mas ela apenas assentia com a cabeça e passou todo o trajeto olhando para o chão. Ela gostava de estar perto dele, mas também não podia deixar que ele agisse como quisesse com ela, não era certo.

Finalmente chegou o ponto onde os dois se despediriam. Lucas parou e Nina continuou andando, as ele a segurou pelo braço, fazendo-a virar e olhar para ele.

- Então tchau. – ele se inclinou para beijar os lábios dela novamente, e ela virou o rosto. Ele deu um leve beijo em seu rosto. – Tchau Nina, até depois.

- Tchau. – ela respondeu friamente. Ela não gostava de tratá-lo assim, pois na verdade sua vontade era de beijá-lo, mas ela não podia. Não depois dessa semana tão estranha. Ela não podia deixá-lo fazer o que quisesse quando quisesse. O que ele pensaria dela? Que era só mais uma menina fácil que ele podia ter quando bem entendesse? Não, não seria assim.

Capitulo Cinco – Depois de quando?

Marina ficou envergonhada, ela não gostava de se expor no meio da rua. Lucas se despediu dela e foi embora. Ela ficou meio desnorteada, havia acabado de beijar o menino por quem estava obcecada, e o melhor, a iniciativa não havia partido dela, o que significava que ele também sentia algo por ela. Nina foi andando lentamente para a sua casa, ela mantinha os dedos nos lábios e relembrava o que havia acabado de acontecer. Era quase meio-dia, e o sol brilhava forte num céu azul, sem nuvens – dias bonitos eram difíceis de se ver em Curitiba, e aquele era um deles – e Marina observava o céu, e em como o dia havia ficado tão perfeito em tão poucos minutos. Andressa, uma colega dela que morava ali por perto, também estava voltando do colégio, e viu Lucas e Marina. Ela sabia que Marina tinha uma quedinha (quedinha?) por ele, e quando viu o que havia acontecido, ficou feliz pela amiga, e a alcançou:

- O que foi isso que eu acabei de ver? – perguntou Andressa, sorrindo e cutucando Nina.

- Mágica! – respondeu Marina, com um sorriso maior ainda.

Quando Nina chegou a sua casa, sequer almoçou, foi direto para o seu quarto, que mantinha a mesma desarrumação de quando saiu de manhã. Não se importou em arrumar ao menos a cama, apenas se deitou e fitava o teto, relembrando. Estava sozinha, e não precisaria se preocupar em organizar nada antes das dezessete horas, como em todos os outros dias. E não se preocupou mesmo. Passou a tarde inteira “vegetando” em seu quarto, enquanto tentava não se esquecer de nenhum detalhe do que havia acontecido mais cedo.

Deu o horário de Nina buscar Renata na creche. Ela que nunca se arrumava direito pra ir buscar a irmã, naquela tarde, se produziu mais, talvez por saber que poderia encontrar Lucas, talvez apenas por estar mais feliz. Independente dos motivos, ela não o viu. O fim do dia seguiu na rotina de costume: Marina cuidando de Renata até que seus pais chegassem do trabalho, depois comer alguma coisa e dormir. Marina odiava fazer isso todos os dias, nunca havia nada de diferente. A parte do dia que mais gostava era, até então, ficar sozinha a tarde inteira – onde poderia fazer o que quisesse sem ter que dar satisfações ou prestar obediência a ninguém, apenas precisava não se atrasar ao buscar a irmã, que era onde “acabava a festa” -, mas a partir daquele dia, ela estava começando a ver o colégio como uma de suas partes favoritas do dia. Aquela quinta-feira de março acabava, e Marina estava ansiosa pelo próximo dia, onde veria Lucas. Como ficaria tal situação?

Marina acordou cedo, e a rotina recomeçava. Algumas vezes, enquanto ia para o colégio, ela via Lucas indo também, há alguns metros de distancia à frente, ela nunca chegou mais perto, a timidez não deixava, mas dessa vez que ela queria vê-lo, não viu. Frustrante, teria que esperar pelo colégio mesmo. Chegando lá, Nina procurou com um olhar, mas não o viu. Onde estava Lucas? Pelo menos havia encontrado Patrícia. Ela precisava contar pra alguém...

- Paty, Paty...

- Oi Nina! – respondeu ela.

- Eu preci... Não, esquece. – Nina hesitou em falar.

- O quê? Começou, agora fala. – Patrícia estava curiosa.

- Não, nada. Nada. – a vergonha falou mais alto. Como ela contaria? “Oi, eu fiquei com o Lucas ontem!” definitivamente não era uma boa idéia. Ia parecer vulgar, uma “Viviane” da vida. E isso era o que Marina não queria de jeito nenhum.

O sinal tocou anunciando a entrada nas salas, e elas se encaminharam para as mesmas. Marina procurando por Lucas, que não havia chegado ainda. A primeira aula já estava começando e nada de ele aparecer. Marina estava aflita, ela precisava vê-lo. Cinqüenta minutos inteiros de aflição se passaram, até que o sinal tocasse novamente anunciando o início da segunda aula, que naquele dia, era Educação Física. A primeira aula havia sido Física, e como em sempre em todas as aulas com o professor Airton, os alunos ficavam fora de sala, Marina e Patrícia, e mais algumas outras garotas da classe, estavam sentadas em um banco no pátio do colégio, em frente à quadra e perto do portão de entrada. Assim que o sinal tocou, alguns alunos que haviam chegado atrasados entraram no colégio, e entre eles Lucas. Os olhos de Marina brilharam ao vê-lo, mas ele passou por ela sem vê-la, e foi direto para o campo de areia, que ficava na parte posterior do colégio, onde seria a aula. Marina apenas o seguiu com os olhos e chamou as meninas que estavam com ela para irem para a aula. Elas chegaram com uns cinco minutos de atraso, e o professor já havia dado início às atividades, que naquele dia era uma corrida de resistência. Marina não participava das aulas de Educação Física, e ficou apenas observando os colegas de turma correndo. Lucas corria bem mais que os outros, parecia ter o fôlego de um atleta. Em nenhum momento ele olhou pra ela.

Durante a aula, Nina começou a pensar que não deveria ter deixado acontecer nada entre eles, que ela havia fantasiado coisas onde não existia nada, que o Lucas que ela quis não existia.... Mil coisas passaram por sua cabeça. Ela estava confusa, Lucas era um menino com atitudes sempre estranhas. Quinze minutos antes de acabar a aula, o professor encerrou a corrida e liberou os alunos para descansarem e se reidratarem – fazia muito calor, apesar de ser bem cedo da manhã ainda – e Marina estava sentada perto do professor, quando Lucas passou por ela. Ela se levantou, aproximou-se dele e disse:

- Nem oi? – o tom era de desapontamento.

- Ah, desculpa. Agora eu to suado... Depois, ta? – ele respondeu, mostrando o rosto suado, e indo procurar a torneira mais próxima.

- Ta... – Marina respondeu, mas ele já estava longe pra ouvi-la.

Ele estava bem suado, mas ela não se importaria. Lucas definitivamente era um menino estranho. Suas atitudes eram as mais diferentes possíveis a cada dia, e isso deixava Nina extremamente confusa em relação ao que esperar dele.

A terceira aula passou rápida, e Marina em nenhum momento falou com Lucas. Ela não sabia qual era a definição de “depois” dele, já que ele também não tinha ido falar com ela. Patrícia, como sempre, perguntou à Marina sobre Lucas.

- E o Lucas, hein? – ela provocou.

- Ta ali... – Marina soou indiferente,

- Eu sei, boba. Mas e vocês dois?

- Acho que não vai dar em mais nada. – ela deixou escapar.

- Como assim, “mais nada”? – Patrícia era muito perceptiva.

- Ops! Não, não, não... Esquece. – Nina tentou.

- Nada disso! Me conta tu-do! O que aconteceu?

- Não Paty, esquece.

- Pode ir falando Nina!

- Ta, ok. É que ontem, quando a gente tava indo embora...

- O quê? O quê?

- Ele... me beijou. – Nina ficou vermelha.

- Sério? Ai, que lindinho.

- Mas acho que vai ficar por isso mesmo. – ela estava desapontada.

Era a hora do intervalo, e Marina e Patrícia ficaram, como de costume, andando pelo colégio. Lucas estava parado com alguns amigos, em um ponto onde podia ver Nina se estivesse andando ou parada, como fazia de vez em quando com algumas amigas. Nina passou por ele várias vezes, e cada vez que eles se viam, ele mandava um beijo pra ela, ou sorria, ou fazia qualquer outro sinal, mas apenas isso. Nina parou para conversar com Andressa, ficando de costas pra Lucas. Andressa, que viu os dois juntos disse:

- Aquele menino ta olhando pra cá.

- Qual? – Nina se fez de desentendida.

- Não se faça de monga! Você sabe de quem eu to falando...

- Ah, o Lucas.

- Esse mesmo. Ele ta olhando pra você, vai lá com ele.

- Não, capaz. Ele ta lá, rodeado dos amigos dele, imagine eu lá? Jamais. Se ele quiser, ele que venha. Eu não vou correr atrás.

- Você que sabe.

Marina não foi falar com ele, nem ele com ela. Cada um esperando a decisão do outro. Mas os gestos continuaram pelo resto do intervalo. O sinal tocou novamente, e Marina foi para a sala. Lucas não entrou na aula, e ela não o viu mais no colégio. Onde ele estava?

Lucas havia ido embora mais cedo, aparentemente sem nenhum motivo. Marina ficou muito desapontada com o desleixo dele, e sentia que tinha agido errado ao ter beijado-o, mas o quê mais ela podia fazer? Ela se sentia atraída por ele, queria estar perto dele, e quando ele demonstrou algum interesse, ela não podia simplesmente ignorar, e se ele desistisse? Ela jamais se perdoaria. Mas agora já estava feito, não tinha mais volta. Era inevitável pensar nele, fantasiar mil coisas, várias outras situações... E pra ajudar, era sexta-feira, o que significava que ela só o veria dali a 2 dias (e meio). Ou não.

Naquela semana havia sido aniversário de uma prima de Renata, filha da tal tia que morava no mesmo caminho que Lucas, e Marina e o resto da família (leia-se: mãe, padrasto e irmã) foram até a casa dela, onde teria uma pequena (pequena mesmo!) comemoração, no domingo. Fazia sol, e estava calor, e como a casa era bem perto, eles resolveram não ir de carro, e foram caminhando. Para chegar lá, havia dois caminhos: um pela esquerda, que era o caminho que Lucas seguia quando voltava do colégio com Marina; e outro pela direita, que era pela avenida que Lucas disse que morava perto. Eles escolheram ir pela direita, que parecia ser mais perto. Seguiram a tal avenida, e chegaram a uma esquina, que era a rua da casa que estavam indo. Nessa esquina havia uma lanchonete, e tamanha foi a surpresa de Marina ao virar aquela esquina. A lanchonete estava aberta, havia uma mesa com cadeiras do lado de fora, e em uma dessas cadeiras, Lucas estava sentado. Ele usava uma camiseta amarela, calça preta, boné branco e óculos escuros, e viu Marina. Ela estava passando ali com a mãe, e não podia parar pra falar com ele, caso fizesse isso, provavelmente teria que responder a uma série de perguntas de sua mãe, coisa que não queria. A mãe de Marina, Amélia, era muito desconfiada, e implicava com tudo que a filha fazia, e tinha uma idéia formada sobre garotos, e não queria a filha tão cedo com eles, até as amizades de Marina, ela não gostava muito da idéia de amigos – amigos, masculino.

Marina não conseguiu disfarçar a sensação de ver Lucas, e passou por ali com os olhos fixos nele, retribuindo ao sorriso que ele lhe deu enquanto ela passava. Ele estava ali, tão perto, e ela sem poder parar pra falar com ele. A casa da tia de Renata, Salete, ficava a cinco casas da esquina da lanchonete, mas do outro lado da rua, e não demorou mais que um minuto e meio para chegar lá. Nina estava claramente distraída, e não prestava atenção em praticamente nada ao seu redor, a única imagem na sua cabeça era a de Lucas sentado naquela cadeira em frente à lanchonete, sorrindo pra ela.

O aniversário era de Amanda, uma menininha que estava completando 8 anos. Apesar de não ser mais tão pequena, ainda teimava em fazer de Nina uma boneca gigante – sempre que Nina estava lá, ela tinha que brincar com Amanda de tudo que ela quisesse – ela era uma menina muito mimada. Naquele dia, Amanda estava ainda mais pegajosa, e Nina não podia fazer nada, por mais que estivesse em outro planeta – mais precisamente, o “planeta Lucas” -, afinal era aniversário dela. Para amenizar um pouco a situação – ou não –, Nina chamou Amanda para ficar na varanda na frente da casa, onde, estrategicamente, ela teria uma visão da rua. Coincidência ou não, Lucas não estava mais na frente da lanchonete, e sim andando de bicicleta pela rua, consequentemente, sempre à vista de Marina.

Nina tentou, de forma discreta, ver se ele entrava em alguma casa, para saber onde ele morava, mas não viu nada. Não demorou muito, e ela teve que entrar na casa, pois já estava anoitecendo, e ela não viu mais Lucas. Eles cantaram parabéns, ficaram um pouco mais por lá, e foram embora, afinal já estava tarde e eles teriam que ir caminhando.

Quando eles estavam indo para casa, eles não voltaram pela avenida, e Nina ficou um pouco desapontada, pois não passaria pelo mesmo lugar onde havia visto Lucas. A volta demorou um pouco mais, e Nina chegou em casa um tanto quanto cansada. Ela resolveu tomar um banho, pra relaxar um pouco, pegou um pijama na gaveta e foi para o banho. Apesar de ter sido um dia com bastante calor, a noite estava um pouco mais fria, e ela deixou a água quente escorrendo por suas costas. Marina demorou mais que o tempo necessário com o seu banho, e só saiu quando sua mãe começou a reclamar.

Ela se vestiu e se preparou para dormir, não estava tão tarde, mas ela havia tido um dia longo, e também, teria aula logo pela manhã, precisava descansar. Ela deitou em sua cama, mas não conseguia dormir, e começou a fitar as estrelas que havia em seu teto, daquelas que brilham no escuro. Não é difícil adivinhar em que ela pensava: Lucas, como sempre. Ela não conseguia entender como ele podia agir de forma tão diferente com ela cada vez que a via. Era como se existissem dois Lucas: um que gostava dela e outro que nem a conhecia. Mas ela já estava envolvida demais para sequer se afastar dele, e se caso realmente existisse esse Lucas que não a conhecia, ela iria fazê-lo conhecê-la e gostar dela, assim como o outro Lucas. Assim que ela chegou a essa conclusão, percebeu que já estava ficando maluca. “Dois Lucas? Sinceramente, Marina, é hora de dormir!”, pensou ela. E naquela noite, foi a primeira vez que ela sonhou com ele enquanto estava dormindo. No sonho, eles estavam juntos e felizes, em lugar muito bonito, que Marina não conhecia. Caminhavam de mãos dadas por um caminho de pedras, cercado por uma grama muito verde e tulipas vermelhas, uma paisagem que lembrava muito a Holanda. De repente, Lucas parou e Marina continuou andando uns dois passos à frente, e quando ela se virou para trás para vê-lo, ele não estava mais lá. Ela se virou para frente novamente, a paisagem havia sumido. Ela olhou ao redor, e ela estava sozinha. Havia apenas ela no meio do nada. Marina acordou assustada.